A ROTA DO BACALHAU 

Cada um que puxe a sardinha para o seu lado; eu puxo é o bacalhau! O peixe me representa, entre pratos emblemáticos da cozinha multicultural, e me fascina, com tanta história para contar que vai além das batatas, azeitonas e cebolas que o acompanham. Em sua jornada através do tempo e da geografia do planeta, perseguido por navegadores do descobrimento, comerciantes e fiéis comensais à mesa, o bacalhau escreveu uma narrativa própria. É o que diz o jornalista americano Mark Kurlansky em sua obra de 1997, Bacalhau: a história do peixe que mudou o mundo

No livro, ele apresenta uma relação de exploradores, mercadores, pescadores e cozinheiros que tiveram seus caminhos cruzados na rota desse peixe. Segundo Kurlansky, muitos povos se lançaram ao mar, desde a Idade Média, atrás dos grandes cardumes e, nesse trajeto, foram escritas belas epopeias náuticas. Vikings, bascos, ingleses e ibéricos estavam atrás do peixe, enquanto a Europa, guiada pelo catolicismo e seus jejuns e um elaborado apetite, consumia o bacalhau às suas maneiras. O autor tempera a narrativa com detalhes culinários ligados às tradições de épocas até os nossos tempos. 

A salga e a secura eram técnicas empregadas pelos bascos e vikings não necessariamente nessa ordem — acredita-se que os bascos chegaram antes a destinos reclamados pelos europeus por conta de sua busca pelo bacalhau nas águas geladas do Norte do hemisfério. O Gadhus morua, espécie do Mar do Norte, era salgado para enfrentar o longo transporte até ser comercializado e consumido. Outras espécies passavam pelo processo e carregaram consigo até os nossos dias o título de bacalhau, causando certa confusão. No Brasil, as indústrias são obrigadas a informar no próprio rótulo o nome científico das espécies de peixes utilizados para produtos salgados. Para ficar claro: Gadus morhua pode ser chamado de bacalhau, bacalhau do Porto ou Cod; o Gadus macrocephalus pode ser chamado de bacalhau ou bacalhau do Pacífico e o Gadus ogac pode ser chamado de bacalhau ou bacalhau da Groelândia. 

“Há mil maneiras de fazer o bacalhau” — essa expressão costuma ser empregada quando se pretende dizer que existem inúmeras formas de resolver determinado assunto ou problema. Se o problema é como preparar a iguaria, as soluções são muitas e incluo uma das minhas, o Bacalhau à Brás do Carlota, com a receita, ao final. Como embaixadora da conceituada marca portuguesa Caxamar, desde setembro deste ano, trarei mais novidades para  À Gomes de Sá, à Zé do Pipo, bacalhoada — as receitas se tornaram clássicas em nossa extensa coleção de delícias luso-brasileiras e são presença garantida nas mesas de grandes festas — a Quaresma, a Páscoa, o Natal e aquela data que pede uma refeição excepcional. É bacalhau na certa!

Grelhado, assado, desfiado, cremoso, em bolinhos, seja como for, Portugal é responsável pelo consumo de 20% de todo o bacalhau pescado no mundo, em torno de 70 mil toneladas por ano servidas à mesa dos portugueses. A Noruega é o maior produtor e 95% de sua produção é exportada — Portugal e Brasil, seus maiores compradores. No entanto, das “mil maneiras de fazer bacalhau”, precisa-se ter em conta, agora, que a espécie está em risco de extinção e medidas para a redução da captura estão sendo tomadas a fim de preservar o peixe e todas suas qualidades de iguaria.

O português Eça de Queiroz, em 1884, escreveu uma carta para seu amigo distante em que confessava: “Os meus romances no fundo são franceses, como eu sou em quase tudo um francês – exceto num certo fundo sincero de tristeza lírica, que é uma característica portuguesa, num gosto depravado pelo fadinho e no justo amor do bacalhau de cebolada”.  Somos, Eça... 


Anterior
Anterior

1, 2, 3, Punta!

Próximo
Próximo

ESTÓRIAS DE UMA ESCOLA DE COZINHA