Sabores do Peru
Mario Vargas Llosa, em 2016, um jantar para o escritor no Estúdio CP (acervo pessoal)
O Peru é trend constante no mundo — viagens, gastronomia, literatura. Nesses dias, o peruano Mario Vargas Llosa nos deixou. Escritor, jornalista e político, Vargas Llosa foi um dos mais importantes romancistas e ensaístas latino-americanos, grande escritor mundial. A notícia me recordou dois jantares em que cozinhei para ele no meu Estúdio CP, anos atrás, quando do lançamento de um de seus livros no Brasil. Cozinha brasileira em um, clássica em outro, o homem elegante e culto, impressionante na firmeza e gentileza com que se expressa, teceu elogios à comida que saboreou. Eu, admiradora e leitora, guardo a lembrança com saudades do Peru, terra bela e rústica, de gente amável, onde estive algumas vezes recebida pelos abraços da saudosa banqueteira Marisa Guiulfo. Para esse povo bravo e caloroso, um tiradito dos sabores do Peru na São Paulo, com a chef Marisabel Woodman.
Do mar ao prato: memórias e sabores de Marisabel Woodman
A chef peruana em frente a seu novo restaurante, o Mares (foto Thays Bittar)
Com sorriso largo e um charmoso sotaque, a chef Marisabel Woodman deixa claro que, mesmo após mais de 10 anos em São Paulo, sua alma segue conectada à sua origem na costa peruana. Ela deixa essa marca ainda mais evidente na nova empreitada, o Mares de La Peruana, inaugurado em março em Pinheiros.
Criada à beira-mar em Piúra, pequena cidade cujo nome em quéchua significa abundância, e inspirada por viagens que fez às praias do mundo, Marisabel explora as próprias memórias e as traduz em criações originais e genuínas no Mares.
O ambiente é solar, repleto de plantas e tons pastéis, texturas de palha e madeira, que criam um refúgio acolhedor no burburinho da cidade. Da cozinha, peixes e frutos do mar unem o frescor da costa à intensidade dos temperos peruanos e aos perfumes da brasa, do forno Josper (uma espécie de forno-parrilla), transportando os convivas diretamente para a paisagem marinha de Piúra, no Pacífico. Foi lá que Mari cresceu, entre redes de pesca e tardes em cevicherias praianas, ao lado da mãe e da avó.
Mas o Mares é mais do que um tributo às suas origens: é a versão madura da chef, um reflexo das experiências que acumulou pelo mundo e pela vida. “O Mares é onde posso criar com liberdade, sem a necessidade de representar fielmente a cozinha peruana, mas sim, minha bagagem”, conta Mari. Desde 2012 no Brasil, ela iniciou com sua cozinha em feirinhas, em food truck e depois no restaurante próprio, La Peruana, nos Jardins, que segue movimentado. Na nova casa, o espírito livre se faz sentir: não se surpreenda ao encontrar no cardápio combinações como camarão com molho de sriracha e chimichurri ou lulas com basílico — vá em frente!
Ceviche Colán: rico em texturas e sabor (foto Carla Pernambuco)
Vieiras a parmesana: clássico peruano reinterpretado (foto Thays Bittar)
Na visita recente que fiz ao restaurante, encantou o ceviche Colán, a deliciosa receita clássica peruana de Vieiras a parmesana, em que Marisabel criou uma espuma de parmesão, o arroz caldoso de mariscos e o polvo com cozimento perfeito, finalizado na brasa do Josper. Para encerrar o jantar, o Tres Leches, úmido e perfumado — bolo clássico da culinária das américas Central e Latina.
Arroz de mar: suculento com mariscos na brasa (foto Thays Bittar)
“Quis que cada prato refletisse minha história”, explica Mari. Com passagens pela Europa e Ásia, ela desenvolveu o menu para espelhar toda essa bagagem, sempre com um toque de suas raízes.
Marisabel no Mares (foto Thays Bittar)
A jornada de Mari no Brasil começou como tantas outras histórias de imigrantes: por amor. No Peru, ainda estudante, conheceu seu companheiro, o brasileiro Roni. Juntos partiram para a França, onde ela pode realizar o sonho de estudar Gastronomia na renomada Ferrandi, em Paris. No Brasil, em 2015 inaugurou o La Peruana, que coleciona prêmios e reconhecimento, incluindo o prestigiado selo Bib Gourmand do Guia Michelin. O novo Mares de la Peruana sintetiza toda a vivência da chef, diversa e profunda, sem tirar os pés das águas de onde emergem seus sabores.