SOBRE LENDAS E PRESENTES
Lendas contam histórias que a História não conta – ou porque não quer, ou porque não sabe. As lendas que narram a descoberta dos alimentos me apaixonam: do café, com o pastor etíope e as cabras que comeram o fruto da cafeeira, lá no século VI; do chá, com o Imperador Shen Nong e a infusão com folhas da Camelia sinensis, caídas ao acaso na água que ele fervia – isso há mais de 5 mil anos... São histórias singelas e que tornam mais saborosa a experiência de consumir essas bebidas e o tanto de cultura que trazem dentro da xícara.
A lenda do azeite de oliva é diferente. Está ligada à mitologia grega, o que confere aspectos divinos ao óleo, utilizado desde tempos imemoriais. Atena e Poseidon disputavam para si a proteção de uma nova cidade na Grécia. Foi estabelecido que quem oferecesse à população da cidade um presente que a cativasse, seria seu patrono. A narrativa chega de diferentes maneiras ao final em que Poseidon, senhor do mar, oferece um cavalo, e Atena, deusa da sabedoria, ajoelha-se no chão e planta uma oliveira. A deusa ensinou aos homens como comer o fruto e extrair o óleo da árvore. A cidade se chamou Atenas em agradecimento àquela que se tornou sua patrona, sábia e dadivosa.
As propriedades divinais e saudáveis do óleo de oliva o levaram para os cultos religiosos, para os corpos dos guerreiros nas batalhas, para a pele das mulheres e, especialmente, para o consumo como alimento rico e saboroso. Néctar dos deuses, ouro verde, o azeite de oliva é essencial, para mim, para meu coração e para os de quem amo. Presentear com azeite é um gesto de nobreza e sabedoria que se transportou no tempo e no espaço. Levo azeite para os meus queridos, para a mesa do restaurante e para casa – sempre aqueles que me preenchem: no sabor e na qualidade. E se tem uma história pra contar, melhor ainda.
A Glenda Haas cultiva oliveiras na propriedade da família em Cachoeira do Sul (RS), onde encontrou clima similar ao da região mediterrânea, lugar no planeta onde essa história toda começa – da Humanidade e do azeite. Ela produz o Lagar H, monovarietais extravirgens de Koroneiki, Arbequina, Coratina, Frantoio, Manzanilla e um blend da safra – e já tem prêmios. Conheci a Glenda e os sabores do Lagar H (de Haas) em uma degustação na Escola Wilma Kovesi e já saí com um “presente grego” (vamos atualizar esse conceito?) que a Glenda me deu. A Drica Martins Costa, em Rosário do Sul (RS), possui uma lavoura de oliveiras há sete anos e produz o premiado Território 63 com intenso profissionalismo e paixão. Mirando o exemplo de Atenas, as mulheres no pampa gaúcho estão escrevendo histórias reais para o azeite brasileiro.
Araucárias, gralhas e bruxas
É por causa de um pássaro azul e delicado que a araucária, árvore símbolo do Sul do país, se mantém majestosa na paisagem serrana. São as gralhas azuis quem a semeia, ao esconder no solo sua semente – o pinhão – com planos de comê-lo mais tarde (mais ou menos como eu faço quando chego em casa com pinhões do mercado...). Diz a lenda que as gralhas gritonas têm o poder de defender a Mata das Araucárias, possivelmente com seus gritos (são mais de 15 diferentes!), pois nenhuma arma que aponte para elas consegue atirar.
É nesse cenário feérico, entre pássaros, fadas e uma névoa persistente, que vive uma bruxa tão corajosa quanto frágil com o sugestivo nome de Graça. É a ela que recorro para me aconselhar, esporadicamente, entre visões e previsões que vai desfiando. Graça é vidente, astróloga e uma alma poderosa em um corpo delicado – a minha gralhinha azul a semear frutos que, bem cuidados, irei saborear no futuro. Pode ser que essa seja mais uma lenda, mas para mim é um presente.
Amar o mar
Gaúcha criada no pampa e na urbe, entre lendas de solidão, rudeza e bravura que essa paisagem pode conceber, a rota de fuga imaginária levava invariavelmente ao mar, o desejo oceânico de sobreviver com água e sol entre os verdazuis de uma natureza mais gentil. Amar o mar era, na época, nosso verbo definitivo. Não seríamos nós as gurias que somos sem essa paixão.
Os cabelos lambidos presos na testa pela fivela plástica emolduravam os sonhos que pulavam pelos nossos olhos até a ponte de embarque mais próxima. Toda essa imaginação encoberta por tricôs pesados tinha por baixo os biquinis de cordinha que ansiávamos desfilar. De carro, de ônibus ou avião, chegaríamos à Santa Catarina, ao Rio de Janeiro, à Rio-Santos selvagem e lá estenderíamos nossas cangas mofadas para nos deitar na areia em cruz como oferendas a ele, o Poseidon que, começando pelos pés, nos arrebataria inteiras.
Amar o mar é o sentimento que Rodolfo Vilar propagou, ao pousar os olhos, sabedoria e generosidade nas águas e frutos do mar em Ilha Bela, quando criou o projeto A.mar. Pescador desde pequeno, empresário e ativista ambiental, com o projeto ele está desenvolvendo, no local, um polo de produção de pescados com denominação de origem – conservas de polvo, mexilhões e lula, botarga, karasumi (ovas de tainha secas), uma sensacional copa de atum, ovas na latinha. Formando produtores entre a população local, preservando as técnicas de conservação e beneficiamento de pescados – corte, defumação, secagem – e inserindo tecnologias para o desenvolvimento do produto, Rodolfo pode vir a se tornar uma lenda, tudo baseado em fatos reais e verdadeiros. A visita ao laboratório em Ilha Bela resgata o sonho juvenil de ser abduzida por um deus do mar, quando o pescador-cientista surge para receber os visitantes com a degustação de seus petiscos marinhos acompanhada de vinhos incríveis!