A ARTE E OS PODERES DE CAFIRA

Cafira Foz concentra um de seus poderes no que carrega para dentro de si e transforma — e a comida é só um dos itens que ela exterioriza em arte.

O nome é esse mesmo, sonoro e original, com origem na mitologia grega (Kaphira), “filha de um titã, Oceano”. A Cafira da cidade encontra na paisagem urbana o lugar onde extravasa sua força criativa: a de congregar o melhor de cada ser que encontra em sua jornada e que ela abriga sob as asas abençoadas de sua marca, que também é seu nome — Fitó, apelido de infância.


A chef Cafira Foz no Fitó Contemporânea, na Pinacoteca de SP (foto Marília Princy)

Esse raciocínio circular que desenrolei, usando seu nome para chegar mais perto de descrever a potência dessa mulher, passa também pelos movimentos que ela faz — do Ceará de nascença ao Piauí de criação, de Paris para o mundo, de uma casa branca e azul em Pinheiros para o centro colorido da arte e da história na cidade, a Pinacoteca de São Paulo, com o FitóContemporânea, onde acaba de chegar. Tudo dela culmina na inventiva identidade que está erguendo para a cozinha brasileira, curada na arte, na moda, fermentada na ousadia e sensibilidade. Fitó já foi notícia no New York Times e faz parte da categoria Bib Gourmand 2024 do Guia Michelin, pela ótima relação qualidade-preço que oferece — e isso antes de inaugurar o Fitó Pina, ora vejam só.

Cafira é do time de mulheres que alimenta a cultura do Brasil sem fronteiras e passa por elas carregando o que lhe faz sentido. Seja a decoração do seu Fitó em Pinheiros, feito em cimento e artesanato — ladrilhos hidráulicos no balcão, luminária em palha no teto, feita pelo pai —, sejam os pratos elaborados com misturas de nacionalidades, técnicas, arrojo e tradição. Com carne de sol, manteiga de garrafa, castanhas, farofas, pimentas, histórias, gentes e uma sagaz intuição, ela compõe experiências do Norte, do Nordeste e do mundo servindo uma comida contemporânea, casual e provocante.

Curiosidade e vigor vêm à mesa no prato Maria Isabel de Cordeiro, por exemplo, uma tradição piauiense cuja explicação — ou folclore — deixa a comida ainda mais saborosa. No Fitó Contemporânea, o prato traz um arroz pregado feito com cordeiro de sol, aioli de hortelã com cítricos e mais uma cenoura avinagrada. Delicioso! O nome diz-se que é da autora (ou de suas duas filhas, Maria e Isabel) para o arroz pregado e a salvação da comida das mulheres. Uma solução genial para alimentar as mulheres em casa, que comiam depois dos homens. Ao chegarem das vaquejadas, eles se serviam com fome e pressa e acabavam com toda a carne de sol. As mulheres então resolveram picar a carne todinha e misturar ao arroz em panelas de ferro grossas, deixando uma camada “queimada” no fundo, o famoso pregado. Na receita do Fitó Pina, Maria Isabel ganhou o sobrenome Cordeiro, que é a carne utilizada e curada ao sol que vai no prato. Escolhi esse como principal.

Arroz pregado de Maria Isabel de Cordeiro, o título para a história e receita piauienses deliciosas (foto Murilo Yamanaka)

Das entradas, o atum e graviola, que é um crudo do peixe com leite de tigre feito com a graviola, acompanhado de farofa de castanhas, coentro e pimenta de cheiro, é um queridinho — meu, com certeza! Fica tudo bem: fresco, leve. Ah! Com um drinque para combinar, é só alegria. Vixi, Maxixe, veja você, é perfeito: a tacinha límpida e gelada fala da riqueza dos nossos frutos da terra, com uma aguardente de cana vermelha, tomilho e mel, e clarificado no iogurte grego. Os drinques são obra da mixologista Renata Adoración com a chefe de bar Suellen Martins.

Crudo de atum e graviola: frescor (foto Murilo Yamanaka)

O drinque: Vixi, Maxixe! (foto Marília Princy)

No Fitó Contemporânea, o menu é criado em dupla com o chef Mario Panezo. É no compartilhamento de talentos que Cafira expressa o seu. Ela diz que sua verdadeira obra é cada vez mais orquestrar as operações criativas, com parcerias de artistas em áreas diversas, formando um verdadeiro espetáculo.

 O Fitó Contemporânea está instalado na Pina Contemporânea, espaço de exposições que se integra à Pina Luz e à Pina Estação, formando um complexo que está entre os maiores da América Latina. Uma visita que não pode faltar — e falo do todo. O restaurante é lindo, iluminado, tem projeto arquitetônico de Lucas Durães e João Pedro Facury, que carrega o clima do modernismo tropical, em meio ao verde do Parque da Luz, o concreto e o mobiliário moderno, esse, com sofás de lonas de caminhão de algodão encerado e cadeiras minimalistas de aço. É um show de brasilidade: quem diz é ela, a Fitó.


Anterior
Anterior

Kanashiro é Kureiji e Kureiji é essa deliciosa loucura:a culinária japonesa universal

Próximo
Próximo

As frutas, os doces e a arte de Kafe no Manga, em Salvador.